As três dimensões na formação do atleta
Data da Postagem: 23/11/2015
Quando falamos na formação do atleta não estamos restringindo ao seu aspecto técnico/físico, mas dentro de uma visão de formação integral do atleta/cidadão, que são: as dimensões física, psíquica e espiritual. Isso nos parece ser o grande desafio dos clubes para darmos o salto de qualidade que hoje falta ao futebol brasileiro.
Por muito tempo, pela qualidade e habilidade dos nossos jogadores, era suficiente aprimorar apenas a parte técnica/física. Há um bom tempo já se incorporou junto às comissões técnicas a figura do Psicólogo (a), para ajudar a criar um ambiente de serenidade interior, de saber celebrar de forma controlada as vitórias e aprender a dar a volta por cima nas derrotas e, a partir dos erros, melhorar o desempenho.
Mas chegamos em um momento que isso já não é suficiente e precisamos incorporar na preparação do atleta uma outra dimensão, que com certeza vai enriquecer a psicologia, que é a mística, dentro da dimensão espiritual. Isto não tem nada a ver com religião, mas com o verdadeiro sentido da vida, no qual se encontra o conjunto das convicções profundas, as visões grandiosas e as paixões fortes que mobilizam as pessoas, os grupos, as agremiações, e que inspiram práticas e comportamentos capazes de afrontar dificuldades e sustentar a esperança face aos fracassos.
A mística é um reforço na vontade de levar adiante os projetos, de resistir sem se resignar. O seu efeito final é o entusiasmo geral, leveza de espírito, congraçamento de todos. Portanto, não se trata apenas de psicologia com suas motivações, mas de valores, de sonhos bons, de entusiasmo. É aquilo que se ouve de um time e um clube campeão: “deu liga, havia sintonia do Presidente ao roupeiro”.
Mas isso que tem ocorrido de forma esporádica e espontânea em apenas determinada época de um clube tem que ser sistematizado, estudado, para fazer parte da Filosofia e do planejamento do clube.
A questão é como chegar a isso?
Começar nas categorias de base com uma formação cidadã e educacional, desenvolvendo a inteligência do atleta e a sua condição humana. Para que esse ser humano não seja visto apenas com uma boa “mercadoria” para o mercado da bola e que vai trazer bons dividendos financeiros ao clube. Isso só será alcançado quando conseguirmos agregar valores a esta “matéria prima” preciosa, respeitando-os como indivíduos inseridos numa sociedade real e concreta. Aí sim ele passa da condição de jogador para de atleta/cidadão, chegando ao profissional como sujeito, protagonista, que pela sua autonomia e livre arbítrio sempre decidirá por aquilo que é melhor para si e para o clube, pelo grupo e pela equipe, tendo visão coletiva e colaborativa.
Não basta ao futebol treinar todas as virtudes do corpo para criar o atleta e o craque. Temos que trabalhar o interior da pessoa, que é a psique habitada por paixões, amores, ódios, a dimensão de luz e de sombra. Eles precisam aprender a dominar os demônios, o mal, e a potencializar os anjos bons que estão dentro de cada um para poder, assim, viver em paz consigo mesmo e com os outros e não ser vítima de seus impulsos.
Deste “eu profundo” é que brotam sugestões e projetos que nos mobilizam, ideias que nos conduzem à vitórias. Esta energia poderosa e amorosa chamada entusiasmo é que nos conduz pela vida afora, fazendo história, nos tornando mais sensíveis aos outros, mais cuidadosos, mais amigos, compreensivos, atentos e investidos em nossas jogadas e em nossas estratégias.
Antes dos treinos e jogos faz bem ao jogador retirar-se num canto, em silêncio, para se encontrar com aquilo que os cientistas denominaram de o “ponto de Deus”. Concentrar-se e escutar esse “eu profundo” faz nascer as boas ideias, os bons sentimentos e fortalece o entusiasmo. Garantindo mais concentração, mais calma, mais sentido de grupo, tornando a vitória mais provável pela energia liberada. Aí sim o jogador passa a ser um perfeito atleta, craque no corpo, na psique e no espiritual.
Esta formação do atleta/cidadão para se atingir os objetivos deve ser multidisciplinar e transversal a todos os setores e atividades do clube. Todos, do roupeiro ao Presidente, passando pelas comissões técnicas do profissional e das categorias de base, devem incorporar esta filosofia de trabalho, sabendo que qualquer atividade ou ação dentro do clube deve ter uma postura formativa e integral.
Um projeto embrionário desse porte foi desenvolvido no Departamento de Formação (antiga Categoria de Base) do Grêmio Futebol Porto Alegrense em 2014. Com o acompanhamento e incentivo a todos os atletas à educação formal: a Fundamental, a Básica e o Ensino Superior. E com a FIC – Formação Inicial Continuada, que é um projeto para atingir esta visão de formação descrita acima. Muita coisa tem que avançar para se chegar lá, mas o pontapé inicial foi dado. E com seu tempo necessário com certeza fará a diferença.
David Stival
Conselheiro e ex- diretor do departamento de formação do Grêmio
Professor na área das Ciências Humanas do Unilasalle/Canoas/R